Há dois dias, Andrew Unterberger postou 15 Reasons 2009 Was the Year That Everything Changed in Pop Music, um artigo no Popdust sobre 2009 ser como um turning point na música Pop.
Turning points são eventos que mudam tudo e que, muitas vezes, só são identificáveis ou definíveis após alguns anos de seu acontecimento. No artigo, Unterberger lista 15 fatos daquele ano, ocorridos na indústria Pop dos EUA que modicaram as marés de apreciação e consumo da música popular americana e, consequentemente, mundial.
Justin Timberlake
"When people talk about how much different the pop world is now from the last time Justin Timberlake released an album, 2009 is the biggest reason why. Here’s 15 points that prove it."
O motivador da lista é o lançamento do novo álbum de Justin Timberlake e os comentários gerais de que ele e seus produtores (Timbaland e cia) estão se comportando como se nada no mundo tivesse mudado. Em outro artigo no mesmo site, Unterberger questiona a arrogância de Timberlake em lançar um novo álbum com o mesmo som e estética de sete anos atrás. Então, neste, ele lista os fatos que segundo ele e outros críticos, Timberlake parece estar ignorando com as promoções de The 20/20 Experience.
Superficialidade
"15 Reasons" é leitura informativa para quem é curioso em conhecer os processos e tendências do Pop.Por outro lado, o artigo falha em aprofundar os motivadores socioculturais que levaram o consumidor de música popular e radiofônica dos Estados Unidos a trocar o Hip Hop/Urban/R&B - que dominava as paradas durante toda a primeira década dos anos 2000 - pela "música dance eletrônica" (EDM), atendo-se à superficialidade dos fatos, sem analisar o relacionamento entre eles.
O motivo mais interessante é o número 15:
Ke$ha made her first bow. The last big hit of 2009 [...] was K-Money’s “Tik Tok,” a heavily Auto-Tuned dance-pop number that established Ke$ha as a new breed of rock star, one whose music was far more rock in attitude [...] than in instrumentation.
Tik Tok
Para esta nova geração de rock stars, o ultraje não tem a ver com o entendimento e rompimento de padrões sociais, mas apenas em forçar a sociedade (através da mídia instantânea da internet) a lidar com sua atitude muitas vezes inconsequente. Tal padrão de comportamento é inegavelmente divertido, mas é ainda mais descartável que Bubblegum Pop.
Canções sobre ficar muito bêbado, dançar até cair, sexo casual e - por que não? - em série não são nenhuma novidade no Pop. O interessante é que estes hits datados de 2009 para cá são reflexo de uma juventude focada no prazer instantâneo e, muitas vezes, apenas autoindulgente ("sou o cara apenas porque estou dizendo que sou").
Não que os artistas de Hip Hop e Urban Pop, que dominavam as paradas anos antes, tivessem qualquer profundidade mais expressiva que os de agora. Na verdade, o Pop vem se esvaziando de conteúdo desde o fim dos anos 1990.
Enquanto cerca de 20 anos antes, Madonna usava batidas e linhas de baixo pesadas de House Music para alertar, com vocais roucos e sensuais, sobre os percalços sentimentais do amor hedonista, em 2009 Lady Gaga lança sua melhor canção até então, Bad Romance: um batidão viciante e deliciosamente sintetizado, com vocais e produção tão altos que ao invés de te seduzir (como fazia Madonna) te jogam na parede, arrancam-lhe uns beijos de tirar o fôlego, deixam seu pescoço roxo com chupões e, na melhor das hipóteses, te jogam fora - quando, é claro, não te carbonizam.
Crise e Especulações
Talvez, a atual resseção econômica americana, iniciada em 2008, possa ser apontada como um estopim para esta mudança em audição e consumo de massa do Pop norte-americano. Ligando os pontos: quando você tem uma pilha de contas para pagar, milhares de preocupações, sendo a principal e pior delas o risco de perder o teto sob o qual vive, é natural que você queira no fim do dia, abstrair sua mente e não pensar em nada.A partir de 2009, a música Pop (abrangendo desde o mainstream centrado na pista de dança ao Pop/Rock mais alternativo e hipster) aumenta os volumes dos sintetizadores, acelera as batidas e distorce os vocais ao ponto de se tornarem androides. Com vozes bêbadas em autotune, em meio a batidas ensurdecedoras, como prestar atenção em mensagens? Na verdade, não há muito o que se pensar - Flo Rida em "Right Round" faz um paralelo entre uma stripper descendo no mastro e uma garota descendo com a boca no "mastro" dele, e esse é o máximo de figura de linguagem que o Pop alcança.
Ainda em 2009, alguns artistas se posicionaram contra a onda superficial das vozes do Pop. Na lista de Unterberger figura a canção D.O.A (Death Of Autotune) de Jay-Z, como um ponto de resistência à nova tendência da voz distorcida que passava a, inclusive, dominar o Hip Hop.
Enquanto o autotune surge na produção musical para ajeitar e consertar as falhas na performance vocal do artista (em português claro pode-se dizer que o autotune afina, digitalmente, a voz do cantor ou um instrumento), o recurso passou a ser utilizado, também, como efeito de sentido na produção. Mas, o exagero no uso passou a se evidenciar e Jay-Z critica sua prática desenfreada ao deliberadamente desafinar no começo da canção, para depois declarar:
Mais adiante, Jay-Z fala sobre a crise e a nova ordem da música popular americana.Only rapper to rewrite history without a penNo I.D. on the track let the story begin...Begin... beginThis is anti-autotune, death of the ringtoneThis ain't for Itunes, this ain't for sing-alongThis is Sinatra at the opera, bring a blondePreferably with a fat ass who can sing a song[tradução]
Wrong, this ain't politically correct
This might offend my political connects
My rap's don't have melodies
This shit make jackers wanna go n commit felonies
Ah, get your chain tooken
I may do it myself, I'm so Brooklyn
I know we facin a recession
But the music yall makin gonna make it the great depression
Teen Country
Além das vozes alteradas, produção sintética e homogênica e do volume inebriante, outro fator que indica a escolha norte-americana por uma música que represente mais diletantismo e abstração do que pensamento e crítica, é a ascensão de estrelas do Disney Channel como Miley Cyrus e sua terrivelmente viciante Party in The USA, e de ninguém menos que o adolescente mais glamourizado do planeta, Justin Bieber.Outra razão apontada por Unterberger é a elevação de Taylor Swift como uma força da cultura pop norte-americana. A música Country sempre foi coisa séria nos Estados Unidos, sendo a música verdadeiramente nascida da cultura norte-americana, e, geralmente, é o gênero reservado à verdadeira expressão emocional e cultural dos assuntos mais íntimos do americano comum.
You Belong With Me
É, principalmente, no Country que o americano celebra sua história e seus feitos sociais, assim como também se critica. Então, quando a maior estrela Country do momento é uma garota que, apesar de competente, tem como ponto de vista e foco de suas canções temas adolescentes e pueris, isso quer dizer mais sobre suas escolhas politico-sociais do que se imagina.
Tendências
A grande valia do artigo é que, talvez, ele seja o primeiro de uma grande publicação da web a esboçar uma análise crítica de como e quando se sedimentaram e concretizaram as atuais tendências do Pop mainstream, principalmente na dominância da "música dance eletrônica" (EDM) nas paradas de vendas e no rádio.Após 2009, todo mundo gravou com David Guetta [zzzz], conheceu o som interessante de Calvin Harris e seu electropop bem britânico de ser, Taio Cruz é um paradigma de pop star masculino e, veja bem, Kylie Minogue - eternamente ignorada nos EUA - de repente, tem certa relevância por lá atualmente.
Daí que é realmente interessante acompanhar como vai ser a carreira musical de Justin Timberlake este ano, já que sua posição privilegiada enquanto sucessor ao trono de "Rei do Pop" certamente está em jogo, devido, talvez, à sua própria escolha em retomar de onde parou há sete anos.
Como sua música tem um longo tempo de antecipação por parte do público e, praticamente, clamor crítico universal, é certo que "The 20/20 Experience" seja um grande sucesso comercial do ano. Mas terá ele o poder de influência cultural que foi seu antecessor Futuresex/Lovesounds?
Suit & Tie
[Fontes: Popdust; Grantland; Wikipedia]
