domingo, 5 de maio de 2013

"Letter from Secret" e a bipolaridade conceitual do K-Pop

Girls' Generation: rainhas da bipolaridade conceitual

Não é raro que os girl groups do K-Pop sofram de bipolaridade conceitual: ora aegyo, ora badass, agora tons pasteis e baby talk, depois coxas de fora e suspensórios.

Ano passado, Secret (TS Entertainment) ganhou completamente meu coração com duas das melhores canções de 2012, Poison, a melhor imitação K-Pop de "Crazy In Love", e a electro-pop dramática Talk That. Em ambos concepts o grupo exalava sensualidade, revelando majestosas performances, especialmente de Hyosung (líder) e Zinger (rapper).



Meses após o lançamento de "Talk That", que teve suas promoções debilitadas por conta do acidente de carro que sofreram - e o consequente retiro de Zinger para reabilitação das costelas quebradas no acidente - TS Entertainment anuncia comeback de Secret.

Quando vi que Secret (no caso, Hyosung) iria disso:

TETAS!!!

...para isso:

NO TETAS!!
Disso:

Talk That
... para isso:

Letter from Secret
Eu juro que...


Sexo Aegyo Vende

O aegyo é uma expressão coreana que se aproxima do cute, mas com um toque oriental que torna a coisa completamente ridícula se tentada por ocidentais (acredite, eu tentei).

Dorama-Queen está longe ser daqueles que repudiam o aegyo por completo, principalmente porque ela faz parte intrínseca da cultura e do comportamento no K-Pop. Adoro grupos como A Pink e Orange Caramel, em que canções, MVs, ensaios fotográficos e concepts são designados à fofura, e a doçura infantilóide de canções como Gee sedimentaram meu apreço pelo K-Pop.

Acontece que eu prefiro meu Secret SEXY!
Pronto desabafei.

Mas, além disso, há uma questão do aegyo e a indústria Pop coreana que é largamente ignorada pelo fandom. Em suma, ela é uma expressão exclusiva e originalmente feminina, na qual mulheres adultas imitam comportamento infantil, remetendo-se à fragilidade, inocência e, não raro, maturidade de garotas. Por que? Para conquistarem homens, claro!

Há de se tomar cuidado ao falar de aegyo e questões e comportamento de gênero na Coréia do Sul porque, um equívoco comum aos fãs de K-Pop é pensar que a sociedade coreana se resume ao K-Pop. A análise que faço aqui é sobre a discrepância que observo na alternância de conceitos aegyo e sexy na INDÚSTRIA POP COREANA, e os efeitos mercadológicos.

"Shy Boy" de Secret

No caso de Secret, seus singles de maior sucesso comercial são justamente os que tendem para o aegyo, Shy Boy e Starlight Moonlight - ambos venderam mais de 2 milhões de cópias no ano de lançamento. E de uma maneira geral, essa realidade não é muito diferente para os outros grupos femininos.

Na lógica venal e mercadológica do K-Pop, vender é mais que necessário, portanto, diante da popularidade comercial dos conceitos "fofos" o aegyo é uma instância imagética e comportamental fixa. Além do mais, é errado pensar que aegyo significa de qualidade inferior. As canções aegyo de Secret são belas composições que referenciam o Swing Pop americano dos anos 1950 (Shy Boy) e a música folk coreana do mesmo período (Starlight Moonlight).

A grande questão é a constante dúvida de quem segue o K-Pop se, a investida no conceito aegyo está relacionada à identidade do grupo e à genuína experimentação deste, ou se não passa de mera jogada mercadológica em prol da popularidade comercial.

Letter from Secret

Em YooHoo, lead-track de Letter from Secret, Secret volta a flertar com a música pop dos anos 1950 e 60 com um toque cinematográfico, podendo facilmente ter sido trilha sonora de musicais clássicos como "Cinderela em Paris", ou "Grease" - que é dos anos 70, mas retratava a era de transição da juventude comportada versus a transviada.

"YooHoo"


A meninice over-the-top, com mil explosões de aegyo em cada frame é um tanto enervante. Some a isso o figurino de gosto duvidosíssimo, a coreografia adaptada de algum número de Xuxa Só Para Baixinhos e uma letra sobre nada mais nada menos que se fazer notada por um garoto e você tem a fórmula feminina do romance no K-Pop.

O que mais irrita em "YooHoo" nem é o aegyo, mas o fato de não acrescentar nada na capacidade performática de Secret, um grupo que começou firme e forte dizendo I Want You Back. E quando explorou sensibilidades mais frágeis, como os singles de 2011, essa pegada Pop retrô era um diferencial em contexto, mas hoje ela sonoramente parece um retrocesso para o grupo, enquanto o MV parece uma versão ultra-forçada de Loving U, do SiSTAR.

"Letter from SECRET" de Secret
TS Entertainment
Mas, como de costume, artistas da TS Entertainment costumam lançar EPs de produção sólida e, à revelia do faixa-título, as outras faixas de "Letter from Secret" são composições belíssimas.

Daddy Long Legs relembra a sonoridade de R&B acústico de faixas como "3 Years 6 Months"; a letra de "Daddy" é co-escrita por Jung Hana (Zinger, que a partir deste álbum passou a usar o nome de batismo), assim como Only U. Esta seria uma faixa justa em ser lançada como single, por ter o clima romântico e agradável de "YooHoo", mas manter a maturidade demonstrada em singles anteriores.

A existência de faixas como "Only U" e B.O.Y (Because Of You), última e mais bela canção do EP, faz da escolha de YooHoo como single-promo algo ainda mais irritante - obviamente escolhida visando o mercado primaveril, mais simpático às fofuras fáceis, do que na demonstração da evidente evolução musical do grupo.

Contrastada aos vívidos versos de rap de Hana em "Only U", junto com seu arranjo de cordas grandioso e romântico piano, "YooHoo" parece ter sido deixada há centenas de anos luz (e está há dez minutos). Perto de "B.O.Y", ela desaparece por completo, nas grandiosas performances vocais de Secret, não merecendo nem estar presente em "Letter from Secret", marcando um ponto negativo para o aegyo no K-Pop.